domingo, 20 de outubro de 2013

Mediunidade e Espiritualidade

Kardec realizou um trabalho extraordinário, contribuindo para a compreensão da mediunidade, porém, os espíritas não podem querer monopolizá-la. Ela é patrimônio espiritual da humanidade

Mediunidade / Por Maísa Intelisano

As palavras médium e mediunidade foram usadas por Allan Kardec, no fim do século XIX, e vêm do latim médium, que significa intermediário, que, por sua vez, de acordo com o dicionário, é aquele que está no meio, aquele que serve de mediador, de "intérprete".
Mediunidade, portanto, no contexto espírita, é a capacidade que uma pessoa tem de entrar em contato com o mundo espiritual e transmitir o pensamento, os sentimentos, as ideias e as sensações de outras consciências que lá vivem, sob as mais variadas formas, bem como de narrar fatos que ocorrem naquele mundo. E médium é todo aquele que tem esta capacidade, em maior ou menor grau, e serve de intérprete ou canal para esse intercâmbio.
Embora o conceito seja relativamente recente, o contato com o mundo dos espíritos e o contato entre as consciências encarnadas e desecarnadas sempre estiveram presentes na história da humanidade. Podemos encontrar registros de fenômenos desse tipo em diversas escrituras e tradições antigas de vários povos e culturas, como do Egito, Pérsia, China, Índia, Grécia, celtas, hebreus, xamãs de várias origens, etc.
O contato com o mundo espiritual esteve sempre muito presente entre os homens, principalmente no meios religiosos, embora tivesse outros nomes e objetivos.
Nas tribos primitivas, as manifestações "mágicas" quase sempre denotavam a presença de espíritos ("almas" ou "sombras" dos mortos). Nas atividades religiosas das civilizações antigas, a consulta e a comunicação com "deuses" e "forças espirituais" eram comuns, ainda que não se falasse exatamente em médiuns e mediunidade. Nessa época, a faculdade de se comunicar com espíritos ou forças correspondentes era exclusividade de sacerdotes, magos, feiticeiros, pajés, santos, profetas, oráculos, pitonisas, etc., o que não impedia, no entanto, que a capacidade de comunicação espiritual estivesse presente, ainda que só potencialmente, em todas as pessoas.

Fenômeno natural
Em todas as épocas da humanidade, portanto, houve médiuns e fenômenos mediúnicos, muito embora eles só tenham passado a ser sistematicamente estudados, analisados e compreendidos, com a codificação do Espiritismo, por Allan Kardec, no final do século XIX.
Disso, depreende-se, portanto, que a mediunidade não é patrimônio do Espiritismo ou de qualquer religião, mas de toda a humanidade, pois esteve presente em todas as culturas e épocas, nas mais variadas formas. E, como patrimônio da humanidade, a mediunidade não deve estar afeita ou sujeita a qualquer religião ou filosofia, mas ser um campo aberto de estudos, pesquisas e orientação, acessível a todas as pessoas que por ela se interessem ou que por ela se sintam afetadas.
Conclui-se também que a finalidade maior da mediunidade não é difundir uma religião ou doutrina, nem fazer doutrinação ou pregação, mas propiciar auto-conhecimento e desenvolvimento espiritual ao ser humano, por meio do contato e do conhecimento da realidade espiritual e suas leis, e as implicações disso para a sua vida prática.
Para ser médium, não é necessário professar uma religião, nem mesmo acreditar na faculdade, em Deus ou em qualquer santo, avatar ou mentor, pois, como nos explica Kardec na sua codificação, a mediunidade é capacidade orgânica, que depende apenas de um corpo físico adequadamente constituído e sensível para se manifestar, e não da religião, da crença ou da fé que professe o médium.

Predisposição orgânica
O Dr. Sergio Felipe de Oliveira, médico psiquiatra e mestre em ciências da USP, vem desenvolvendo estudos que parecem apontar justamente para esta característica orgânica da mediunidade.Inspirado pelas obras de André Luiz, psicografadas por Chico Xavier, em que o autor espiritual cita a glândula pineal como "órgão" da mediunidade, o Dr. Sergio Felipe vem observando que quanto mais esta glândula apresenta cristais de apatita em sua constituição, mais intensamente esta pessoa apresentará capacidades mediúnicas, ou seja, capacidade de entrar em contato mental e energético com outras consciências. E os cristais de apatita não estão presentes apenas na glândula pineal de pessoas espíritas ou umbandistas, ou de qualquer outra religião...
No entanto, o que temos visto, nesses pouco mais de 100 anos de Espiritismo no Brasil, é o estudo e a prática da mediunidade quase que exclusivamente restritos aos centros espíritas e umbandistas. E, nesse contexto, uma pessoa que se veja objeto de fenômenos mediúnicos é praticamente obrigada a se engajar no Espiritismo ou na Umbanda, convertendo-se e associando-se a uma casa, a fim de poder estudar e entender melhor o que se passa com ela, não sem antes passar por todo um período de estudo obrigatório da doutrina - no caso dos centros espíritas - que pode levar até anos, antes que ela possa, de fato, estudar e praticar a mediunidade que esteja apresentando, tornando-se mais segura, serena e equilibrada consigo mesma.
Não se pode negar o grande trabalho de Kardec e de seus sucessores no que tange o estudo e, portanto, o conhecimento da mediunidade. No Brasil, especialmente onde o Espiritismo se desenvolveu muito, podemos encontrar trabalhos espíritas excelentes, como o de Edgard Armond e o de Hermínio C. Miranda, por exemplo, esclarecendo e orientando médiuns sobre as suas faculdades e como usá las, o que tem ajudado muitas pessoas e também norteado, de certa forma, a continuidade desses estudos. Esses trabalhos e a codificação de Kardec são, sem dúvida, base importantíssima e indispensável para qualquer pessoa que deseje conhecer os fenômenos mediúnicos, estudando-os ou praticando-os. No entanto, isso não basta para atender a demanda cada vez maior de pessoas que apresentam fenômenos mediúnicos ou parapsíquicos nas mais variadas situações de seu dia a dia, sem entender o que são, e não se identificam com o Espiritismo ou a Umbanda, as duas religiões que mais praticam a mediunidade no Brasil. E é preciso atendê-las também, orientando-as, independentemente de sua opção religiosa ou doutrinária.
A mediunidade não deve ser considerada sacra, no sentido religioso da palavra, uma vez que, como vimos, independe de religião ou crença para se manifestar. Mas pode e deve ser considerada sagrada como patrimônio humano, como bem inalienável, assim como o seu direito à saúde ou à alimentação.
E para que a mediunidade realmente seja tratada como de domínio público, patrimônio da consciência humana, e que o seu conhecimento esteja acessível a todos, indistintamente, é preciso que ela deixe os salões doutrinários e/ou religiosos e ganhe os grupos de estudos independentes e universalistas, de modo a ser analisada, praticada, estudada, pesquisada e utilizada livre de qualquer cunho místico, religioso ou filosófico, apenas pelo que é: uma capacidade psíquica humana, como pensar,lembrar ou imaginar, destinada ao desenvolvimento da consciência e do autoconhecimento.

Pesquisa detalhadas
É preciso também que ela chegue, de fato, aos laboratórios e universidades, como objeto de pesquisa independente de misticismo, e não apenas como recurso para se comprovar a crença ou a fé de algumas pessoas.
E quem melhor para promover esse avanço no estudo e prática da mediunidade do que os próprios espíritas, por seu conhecimento, sua experiência e sua consciência dos mecanismos do fenômeno?
Nesse sentido, são pouquíssimos grupos de estudos mediúnicos existentes em atividade autônoma, sem vínculo com qualquer instituição religiosa ou doutrinária. Quase não existem opções de estudo e prática da mediunidade sem o cunho religioso de alguma casa espírita ou umbandista, sem a ligação com alguma doutrina, religião ou filosofia. E isso compromete não só a orientação a muitas pessoas que já estão vivendo os fenômenos mediúnicos e não se afinizam com as doutrinas que praticam a mediunidade e as exigências que elas fazem, como também compromete o estudo mais científico da mediunidade, por impedir que se façam experimentos livres de qualquer caráter místico.

Espiritualidade
Além disso, ao tratarmos a mediunidade como algo religioso, comprometemos também a visão que muitos podem vir a ter da própria espiritualidade, imaginando-a necessariamente um subproduto das religiões, quando o correto é exatamente o contrário: as religiões é que foram criadas pelos homens para atender às suas necessidades de expressar e vivenciar a espiritualidade que sempre trouxeram latente em si. Sem poder explicá-la ou compreendê-la plenamente, as pessoas foram desenvolvendo, então, sistemas de crenças, rituais e dogmas para torná-la mais palpável e acessível. E também supostamente tangível e controlável.
Não foram as religiões que descobriram ou inventaram a espiritualidade, mas a espiritualidade que levou à criação das várias religiões. E a mediunidade é apenas um dos aspectos da espiritualidade humana, apenas uma de suas manifestações, presente entre os homens muito antes de eles criarem as religiões.Não fruto ou bem das religiões que a estudam e praticam.
A mediunidade, como capacidade psíquica de comunicação entre mente, está presente em todos nós 24h por dia, sete dias por semana. E não apenas quando nos apresentamo para uma sessão ou reunião mediúnica. A mediunidade permeia a vida de todos nós, o tempo todo, pois estamos todos, 24h por dia, sujeitos às influências dos espíritos desencarnados e das mentes dos encarnados com quem convivemos.
Claro que essa capacidade em alguma pessoas aparece mais desenvolvida do que em outras. Existem mesmo vários graus de mediunidade ou sensibilidade psíquica e bioenergética, bem como vários tipos de mediunidade, classificados, para fins didáticos, pelos efeitos que produzem. Mas, independentemente do grau e do tipo, a faculdade mediúnica não se torna inativa ou inexistente quando  estamos fora de um grupo mediúnico ou longe de uma sessão ou reunião mediúnica. Como costumo dizer sempre aos meus alunos, mediunidade não vem equipada com botão liga-desliga!
Pelo contrário, a capacidade de comunicação com outras mentes está presente o tempo todo em nossa via, inclusive quando dormimos, e pode nos colocar em contato tanto com os pensamentos e sentimentos de desencarnados, como de encarnados, de todas as origens e situações.
E sendo uma capacidade humana natural, uma função orgânica, inclusive, presente, em algum grau, em todos os seres humanos, a mediunidade também não depende de desenvolvimento ético, moral ou consciencial para se apresentar.
Qualquer pessoa, independentemente de sua conduta, sua postura, seu caráter ou personalidade, pode apresentar faculdades mediúnicas e ter contato com o mundo espiritual ou com a mente de outros encarnados. O que irá variar, conforme o seu desenvolvimento ético e moral, será o tipo de comunicação de que estará participando, pois, também na mediunidade, os semelhantes se atraem.

Maísa Intelisano é palestrante e instrutora
de cursos teóricos e práticos
sobre espiritualidade.


Classificação básica da mediunidade, por Edgar Armond

Para melhor compreensão do modo por que entendemos e definimos a mediunidade, aqui resumimos os argumentos de alguns capítulos, para dizer:
Á medida que evolui e se moraliza; o indivíduo adquire faculdades psíquicas e aumenta, consequentemente, sua percepção espiritual.
A isso denominamos mediunidade natural.
A muitos, entretanto, ainda que atrasados em sua evolução e moralmente incapazes, são concedidas faculdades psíquicas como graça. Não as conquistaram, mas receberam-nas de empréstimo, por antecipação, numa posse precária que fica dependendo do modo como forem utilizadas, da forma pela qual o indivíduo cumpri a tarefa cujo compromisso assumiu, nos planos espirituais ao recebê-la.
A isso denominamos mediunidade de prova.
A primeira situação é ideal a atingir por todos os homens no Tempo e a intuição é a sua forma mais avançada e perfeita.
Permite o conhecimento das coisas e o intercâmbio com as entidades espirituais sem necessidade do trabalho mediúnico obrigatório.
A segunda é uma tarefa individualizada, recebida em determinadas condições para utilização imediata, e importa na prática mediúnica como cooperação compulsória.
Do livro Mediunidade
Editora Aliança