terça-feira, 2 de abril de 2013

Anjos da guarda


Quem são nossos espíritos protetores? Conheça os aspectos históricos e as explicações da doutrina espírita

Grandes temas / Por Victor Rebelo

A literatura mundial, especialmente a religiosa, está repleta de narrativas envolvendo seres sobrenaturais, deuses, gênios, enfim, espíritos com poderes milagrosos que aparecem nas horas difíceis oferecendo socorro ou, no mínimo, um alívio para nossas dores. É claro que existe muita fantasia nisso tudo... quase sempre fruto da criação da mente humana, mas será que por trás de todas estas histórias existe um fundo de verdade?
Em todas as culturas, de todos os povos e em todas as épocas encontramos estes tipos de histórias envolvendo seres que estão além da esfera física, portanto, podemos dizer que se trata de um fenômeno mundial e não de um fato isolado ou produto de determinada cultura. Sabemos que os povos mais antigos já cultuavam seus deuses e faziam oferendas para aplacar sua ira ou obter favores especiais, como boa colheita, saúde, etc. Para eles, os fenômenos da natureza eram a manifestação dos deuses, seres poderosos que decidiam a sorte dos homens. Aos poucos, a relação entre os homens, os "deuses" e a natureza vai ficando mais clara; o joio começa a ser separado do trigo.
O povo, em geral, ainda não conseguia discernir a fantasia da realidade, mas os grandes místicos e pensadores surgiam em todo o planeta, como na Índia e na Grécia, aprimorando o pensamento filosófico e religioso.

Os dogmas religiosos
Nas escrituras judaicas cristãs e muçulmanas encontramos várias narrativas envolvendo seres considerados sobrenaturais, chamados de anjos ou espíritos.
Quando o Império Romano absorveu o Cristianismo, uma hierarquia centralizada neste poder romano foi imposta e aqueles que ousavam desafiar a autoria dos Papas eram condenados à morte. Chamados de hereges, por escolherem um caminho diferente da Igreja, morriam porque pregavam um relacionamento íntimo e pessoal com o mundo espiritual, sem a necessidade de sacerdotes para intervirem nesta relação com o Além. Por interesses políticos, a Igreja condenava qualquer relação com os espíritos, com a alegação de que a comunicação com os mortos era obra do demônio, e inúmeros mártires - como Joana D'Arc, que dizia escutar vozes - foram condenados à fogueira pela Inquisição.
Ainda durante a Inquisição, o cristão Martinho Lutero inicia o movimento da Reforma, confrontando os poderes do Vaticano.
Com a revolução francesa, no século XVIII, o poder da Igreja é limitado e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, apregoados pelo Iluminismo começam a despertar a atenção do mundo.
Em uma sociedade cada vez mais democrática, o relacionamento entre os anjos e os homens volta a ser uma possibilidade acessível a todos, porém, desta vez surge outra força que procura pôr fim nesta relação: o Positivismo, uma corrente filosófica que propõe a soberania da razão e da Ciência experimental, ou seja, tudo aquilo que não pode ser provado cientificamente não deve ser aceito como verdade. A liberdade de crença já era uma conquista, ninguém mais morria por afirmar entrar em contato com espíritos ou anjos, mas a Ciência passou a ser o novo "deus" em uma sociedade onde a maioria dos intelectuais e cientistas passaram a ridicularizar a Religião, que foi perdendo cada vez mais sua força, apesar do povo e das pessoas mais simples terem sempre mantido suas crenças.

A doutrina espírita
Neste cenário começam a ocorrer estranhos fenômenos que chamam a atenção da sociedade: mesas que "dançam" sozinhas no ar. Enquanto muitas pessoas resolvem transformar essas ocorrências extraordinárias em um tipo de exibição circense, um passatempo popular, alguns cientistas decidem pesquisar estes fenômenos a fim de descobrir o que estava ocorrendo.
Com o tempo, as mesas "girantes" deixaram de ser o foco da atenção, pois havia sido demonstrado que seu movimento coordenado - assim como o de outros objetos - no ar, não era o resultado da força cega da natureza, mais sim, de uma inteligência oculta. Com o aprofundamento das pesquisas, esta mesma inteligência oculta se revelou: eram espíritos.
Uma nova fase de pesquisas se inicia. Era necessário saber, então, quem eram estes espíritos e como era possível que eles entrassem em comunicação com os homens. Cada vez mais pesquisas e experimentos foram sendo realizados. A forma como ocorriam as manifestações dos espíritos foi se tornando cada vez mais clara. Chegava o momento, então, de escutar o que eles tinham a dizer, de aprender as lições que podiam passar. Portanto, o Espiritismo, que buscava o reconhecimento científico para suas experimentações, procurava também se estruturar como doutrina.
Entre os pesquisadores sérios e honestos, que estudaram a relação com os espíritos e o mundo espiritual, temos o inglês Willian Crookes, um dos maiores químicos de sua época; Camille Flammarion, um respeitável astrônomo; e entre tantos outros surge Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippolyte Léon D. Rivail.
Kardec reuniu os ensinamentos dos espíritos, que a esta altura eram transmitidos diretamente através dos médiuns, o tanto quanto pôde e codificou estes ensinamentos em cinco obras básicas, que formam a estrutura da doutrina espírita. São elas: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese (1868). Além das obras básicas, kardec publicou a Revista Espírita, além do livro O que é Espiritismo.
Isso não quer dizer que todos os ensinamentos dos espíritos estejam limitados ao trabalho de kardec. O contato com os espíritos não é uma invenção de kardec ou do Espiritismo. Tanto os pajés das tribos indígenas quanto os hebreus, os egípcios, os hindus e outros povos já relatavam a ocorrência de fenômenos mediúnicos e de manifestações de espíritos. Alias, todas as grandes religiões da humanidade foram alicerçadas no trabalho missionário de espíritos abnegados. O trabalho de kardec e de outros pesquisadores foi o de procurar explicar estes fenômenos de forma racional, buscando estabeleceruma ponte entre a Religião e a Ciência.

Espíritos evoluídos
Os anjos sempre foram vistos como mensageiros do Além, intermediários entre os homens e Deus (simbolizado pelas asas).Entre eles existe toda uma graduação, de acordo com as tarefas que executam, como os Serafins e Querubins, que seriam os da mais alta hierarquia, até os anjos da guarda, responsáveis por velar pela segurança de alguém. A ideia de anjos está mais ligada à tradição judaico-cristã e ao Islamismo. Nas doutrinas orientais, a concepção muda um pouco.
De acordo com a doutrina católica, "Os anjos são seres puramente espirituais, anteriores e superiores à Humanidade, criaturas privilegiadas e votadas à felicidade suprema e eterna desde a sua formação, dotadas, por sua própria natureza, de todas as virtudes e conhecimentos,nada tendo feito, aliás, para adquiri-los. Estão, por assim dizer, no primeiro plano da Criação, contrastando com o último onde a vida é puramente material; e, entre os dois, medianamente existe a Humanidade, isto é, as almas, seres inferiores aos anjos e ligados a corpos materiais."- do livro O Céu e o Inferno, FEB. Mas e para o Espiritismo? Como a doutrina espírita explica os anjos? 
Diz Kardec, ainda no livro O Céu e o Inferno: " Que haja seres dotados de todas as qualidaes atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo a origem e natureza de tais seres".
Até este ponto, vemos a concordância com a visão católica dos anjos. A diferença crucial está no fato de que, para a crença espírita, todos fomos criados simples e ignorante por Deus. Portanto, ninguém seria privilegiado na criação. Todos teríamos que trilhar o caminho da evolução espiritual a fim de manifestarmos nosso potencial divino.
Vejamos as palavras de kardec a este respeito:
" As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirir o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim - que é a perfeição - é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir (...). Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e adianta na hierarquia espiritual até ao estado de puro Espírito ou anjo. Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio de progresso".
Portanto, entre os anjos, ou espíritos puros, existem aqueles que participam de tarefas grandiosas, como o planejamento e coordenação dos mundos, até aqueles mais próximos da nossa condição espiritual.
Dentro do ponto de vista da codificação espírita, é importante ficar claro que todos os seres têm como destino a angelitude.

Perfeição?
Pra mim, a questão sobre como foi nossa origem merece ser mais bem compreendida, e acredito que nós, assim como os espíritos que orientaram Kardec, não temos condições de responder a essa questão plenamente.
Também não acredito que a perfeição absoluta seja algo passível de realização. Portanto, acredito que se os anjos são vistos como seres perfeitos, isso se deve mais ao ponto de vista de quem olha.
Os seres angelicais são espíritos com um grau de evolução bastante elevado, em relação a nós. Mas, como também somos espíritos, seremos um dia tão puros quanto esses seres, conforme vamos evoluindo.
É claro que isso é fruto do trabalho de aprimoramento ao longo das várias encarnações e na vida espiritual.

Anjos da guarda
E os anjos da guarda? De acordo com a doutrina espírita, eles são espíritos que protegem a nós e nossa família, dentro das leis divinas. Mas que espíritos são esses? Por que eles aceitaram essa tarefa?
Quando desencarnamos, nosso corpo físico morre, mas a consciência, o espírito, continua existindo, só que nos planos mais sutis da realidade. Continuamos com os mesmos vícios e virtudes, afetos e desafetos. Apenas mudamos de endereço! Sem o corpo físico, passamos a nos manifestar diretamente através do perispírito ( corpo astral), que é um corpo mais sutil e que tem, normalmente, a mesma aparência do extinto corpo carnal.
Isso significa que, mesmo "mortos", continuamos muito ligados à vida que tínhamos aqui na Terra, vinculados a certas pessoas que "deixamos pra trás", seja por laços de ódio ou de amor.
A maioria dos espíritos recém-desencarnados ainda está muito apegada à família terrena e nem sempre está em condições de auxiliar seus familiares. Muitos sofrem pelo apego aos seus parentes consanguíneos e se negam a deixar o ambiente doméstico. Estes não podem ser considerados como espíritos protetores ou anjos da guarda, mas como espíritos sofredores que necessitam de auxílio e oração.
Em O Livro dos Espíritos, no capítulo III, encontramos a seguinte orientação: "Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. De algum tempo precisa a alma para entrar no conhecimento de si mesma. Ela se acha como que aturdida, no estado de uma pessoa que despertou de profundo sono e procura orienta-se sobre a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba de abandonar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que lhe obscurece os pensamentos". Portanto, quanto maior for o equilíbrio em que o espírito desencarnado se encontra, maior será sua liberdade de ação.
O anjo da guarda seria um espírito que possui algum tipo de laço afetivo conosco. Esses laços podem ser muito antigos, de encarnações passadas. Conforme a capacidade e disposição que tenha, recebe a missão de nos orientar.
Não é nossa "babá", ou seja, não realiza aquilo que é nossa obrigação, mas pode atuar junto a um espírito protetor familiar que deseja nos ajudar.
Às vezes, quando o espírito que atua como nosso anjo da guarda precisa partir para outras tarefas, outro espírito pode assumir seu posto. Ou seja, o trabalho de proteção espiritual tem um tempo limitado e é mais intenso durante a fase infantil da pessoa encarnada.


Dúvidas mais comuns

Agora, na forma de perguntas e respostas, vou procurar responder de forma simples e resumida, algumas questões. Vamos lá!

A mãe desencarnada seria um tipo de anjo da guarda dos filhos?
Geralmente, o anjo da guarda é um espírito que nos acompanha desde o momento em que nos preparamos para o reencarne. Normalmente, ele assume esta tarefa quando ainda estamos no plano espiritual.
Outro caso, por exemplo, é uma mãe desencarnada, que apresenta um certo equilíbrio espiritual, receber autorização dos espíritos superiores para atuar junto à família terrena nos momentos de maior necessidade. Seria um espírito protetor familiar, com ações mais limitadas.

Por que as crianças são mais sensíveis aos espíritos?
De acordo com o Espiritismo, porque os laços energéticos que unem a alma ao corpo físico vão se fortalecendo à medida que crescemos. Por isso, na fase infantil, mais precisamente até os sete anos de idade, nossa sensibilidade ao plano espiritual é maior.

Por que, à vezes, um espírito move objetos?
De acordo com O Livro dos Médiuns, "(...) as manifestações físicas têm por fim chamar-nos a atenção para alguma coisa e convencer-nos da presença de uma força superior ao homem".
Também existem as manifestações físicas causadas por espíritos obsessores com o intuito de nos prejudicar ou nos amedrontar, mas como toda manifestação física, também são difíceis de acontecer.
O Espiritismos trouxe uma grande contribuição para o nosso entendimento das relações entre os homens e os espíritos e a compreensão de como ocorre a mediunidade e de como percebemos e reagimos às influências dos planos mais sutis da existência pode nos auxiliar em muito no nosso processo de autoconhecimento, ou seja, de evolução.


A seção Grandes temas republica matérias que
tiveram ampla repercussão na época.


Artigo publicado na edição 33.


Anjos da Guarda, espíritos protetores, espíritos familiares...

Há espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
Há o irmão espiritual, o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.

Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo guardião?

O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada. 

Qual a missão do Espírito protetor?

A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.

O Espírito protetor se dedica ao indivíduo desde o seu nascimento?

Desde o nascimento até a morte, e muitas vezes o acompanha na vida espírita, depois da morte, e mesmo através de muitas existências corpóreas, que mais não são do que fases curtíssimas da vida do Espírito.

É voluntária ou obrigatória a missão do Espírito protetor?

O Espírito fica obrigado a vos assistir, uma vez que aceitou esse encargo. Cabe-lhe, porém, o direito de escolher seres que lhe sejam simpáticos. Para alguns, é um prazer; para outros, missão ou dever.

Dedicando-se a uma pessoa, renuncia o Espírito a proteger outros indivíduos?

Não; mas protege-os menos exclusivamente.

O Espírito protetor fica fatalmente preso à criatura confiada à sua guarda?

Frequentemente sucede que alguns Espíritos deixam suas posições de protetores para desempenhar diversas missões. Mas, nesse caso, outro os substituem.

Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos?
Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-se à influência dos Espíritos inferiores.
Mas, não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este o chame.
É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo seu encanto e doçura, deverá converter os mais incrédulos.
Não vos parece grandemente consoladora a ideia de terdes sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos.


O Livro dos Espíritos, capítulo IX.

Allan Kardec